A dica de hoje do jornalista Anderson Olivieri – responsável pela comunicação do Cartório de Sobradinho – é a crônica “Natal em dor”, de sua autoria:
“Ainda não me recuperei do que vi. Faz três dias, e a cena vai e vem, em flashes. Era por volta da hora do almoço da segunda-feira desta semana. Fui avisado pela esposa de que a nossa filha tinha exame. Bia resistiu a sair de casa, temendo nova nasofibroscopia. Não era esse o procedimento – prometi –, já também lhe garantindo um sorvete na saída.
Chegamos ao centro clínico em cima da hora. Apressamos o passo no longo corredor, deserto àquela hora de boia. De repente, de um laboratório, uma moça e uma garotinha – de uns quatro anos – saíram. De mãos dadas, corpos também unidos. Na outra mão, a mãe segurava uma papelada. Já a menina carregava uma pelúcia meio esfarrapada, puída. Seria a preferida ou a única?
A mãe então se agachou, pegou os bracinhos da filha, envolveu-os em seu pescoço e a abraçou. Forte. Bem forte. Vi tudo a dois palmos. Bia não as notou. Nem a garotinha deve ter percebido o abraço. Ela conversava com o seu bichinho e parecia visitar algum mundo fantasioso. Apenas retribuiu mecanicamente o afeto, sem se entregar ao gesto.
Segui a marcha pensando na cena. Considerei o carinho gratuito e espontâneo. Oportuno também, sem dúvida. Abraços de mãe em filhos, dizem estudiosos, beneficiam bastante a criança, com fortalecimento do sistema imunológico, desenvolvimento de boa autoestima, construção de um indivíduo menos agressivo, entre outras vantagens. E se é assim, não há hora certa para abraços maternais.
Era em tudo isso que eu pensava, comovido com aquele abraço espremido, num lugar impróprio, feito para movimentos, não para pausas. Dei-me conta então de que, distraído, passara da entrada da clínica onde Bia faria o exame. Ao dar meia-volta, entraram de novo, na minha mira, mãe e filha. Estavam ainda abraçadas.
A mãe depositara o queixo no ombro da pequena, que ainda conversava com seu ursinho. Os seus lábios tremiam. Os seus olhos, encharcados, esforçavam-se em conferir o teor do papel. Ela apertava os lábios, como que tentando privá-los de tremer. A garotinha passou a se incomodar e, com sutileza, a remexer-se para se soltar. Então a mãe a prendeu num abraço ainda mais forte. Preocupação em não ser vista chorando? Temor de ser o primeiro dos últimos abraços?
Certo é que havia nos papéis algum diagnóstico daqueles que desabam o mundo sobre a cabeça. Ela não chorava aliviada, pelo contrário. Via-se o medo nela. Também o desalento e a tensão. Pensei em oferecer ajuda, abraço, quem sabe até alguma recomendação de médico, se fosse o caso. Recuei ao reparar que interromperia o maior abraço do mundo.
Entrei com a Bia na clínica, passamos pela triagem e fomos para a sala de espera. Ali, só nós dois e dezenas de cadeiras. Sentei-me e a chamei para o meu colo. Ficamos abraçados, enquanto no som ambiente, tocava “…quero ver / o amor vencer / mas se a dor nascer / você resistir e sorrir”.
Assim eu queria que fosse o Natal daquela mãe em dor e da garotinha da pelúcia puída: de resistência e sorriso.”
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