DICA DE LEITURA: “QUEM TEM BOCA CAI EM ROMA”, DE ANDERSON OLIVIERI

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A dica de hoje do jornalista Anderson Olivieri – responsável pela comunicação do Cartório de Sobradinho – é a crônica “Quem tem boca cai em Roma”, de sua autoria:

Foi por falar demais que sofri um golpe em Roma. Longe de mim ser palavroso. Pratico mais o monossilabismo que a tagarelice. O que me derrubou nesse dia não foi, portanto, uma verborragia, um falatório, mas três palavras em português cantaroladas em sotaque fajuto, para falsear um italiano. “Não somos daqui!”.

– Quale paese?

– Brazil! – lancei em inglês, escancarando a confusão linguística que me sobrevém sempre que transponho as fronteiras brasileiras.

Comecei a perder aí. Começamos. Porque o infortúnio aconteceu em lua de mel. Ela, a digníssima, presente, portanto – e, embora negue, com parcial responsabilidade no sucedido, que desgraçadamente se desenrolou assim: de mãos dadas e corações aquecidos, caminhávamos por uma rua adjacente à famosa Via Veneto quando encostou um Smart Fortwo – aquele carro baratinha praga na Europa. Dirigia-o um homem de medidas excessivas para o recipiente. Um terço dele escapava pela janela aberta.

– Per favore, dov’è Via Veneto?

Respondemos bem ensaiados no tempo, mas pessimamente mal no conteúdo. Erika – mais inteligente – mandou-o seguir adiante, enquanto eu lhe passei a tão desejada senha: o ondulado “não somos daqui”. Curioso da nossa origem, mais um terço do homem se esparramou para fora. Vi quando, à resposta de Brasil, seu rosto aclarou, contrastando com o cenário cinzento daquela Roma invernosa. O brilho logo se converteu em emoção. Os olhos daquele gordo, careca e caolho – homem de compleição severa – empoçaram-se. Sua boca tremulava. Embaraçado, compadeci-me. Veio então a revelação: a sua saudosa mãe era gaúcha. Pronto, fisgados estávamos por aquele quase patrício.

Papeamos em busca de outras afinidades: a preferência pelo churrasco gaúcho, por exemplo; o aprimoramento da pizza pelo brasileiro; a Bossa Nova. Provocações sadias também pintaram. Falei de Pelé. Ele devolveu com Paolo Rossi. Fui de Romário na tréplica, campeão em cima de Roberto Baggio. Até que ele se rendeu com ufanismo: “No futebol, meu amado Brasil é imbatível”.

O bom papo perdeu o duelo para o avançar do tempo. Como tínhamos um dia de lua de mel pela frente, acenei com uma despedida, mas fui interrompido: os nomes, claro! Como assim ainda não havíamos nos apresentado? O dele era Mario, apressou-se em dizer. Quando Erika se pronunciou, ele anunciou uma gentileza: trabalhava com casacos italianos de couro legítimo e, em celebração à nascente amizade, a presentearia com um modelo elegante. Puxou, do compartimento traseiro, um catálogo de opções. Erika poderia escolher o do agrado. Ante à indecisão dela, Mario mesmo bateu o martelo. Disse saber, fazendo com as mãos a silhueta feminina, qual lhe cairia perfeitamente bem no corpo. Empacotou, esticou o braço para entregar a sacola e recuou. “Você também merece. Leve este!”, embalando um preto estilo sobretudo com o qual já me imaginei percorrendo as ruas de Paris, destino seguinte.

Nada mais impedia a despedida, a não ser a dívida de um agradecimento efusivo, o que, sensibilizados, logo fizemos. Meio constrangido, Mario desculpou-se, não queria ser mal compreendido, mas precisava de ajuda com a gasolina. Estava de tanque vazio. Olhei disfarçadamente para o painel do carro, e de fato o ponteiro indicava perigo de pane seca.

Havia, em um dos meus bolsos, além de muitas moedas, duas notas: uma de 50, outra de 100 euros. Decidi lhe ofertar as muitas moedas. Enquanto fazia o caminho da mão ao bolso, Erika, sempre mais econômica, me recomendou dar a nota de 50. Notei então como estava sendo miserável com aquele homem simpático que nos oferecera dois casacos italianos de couro legítimo. Abandonei a caça às moedas no bolso e puxei as duas notas. Ofereci-lhe a de 50. Ele se revelou:

– Não, não… a de 100, amico!

Sem graça, estiquei o dinheiro e permaneci de mão hasteada, aguardando a devolução dos 50 euros.

– Abbraccio, amico brasiliani! – bradou com carro em movimento.

Reflexivos, caminhamos uns 300 metros até desembocarmos na Via Veneto. O silêncio rompido pelos dois ao mesmo tempo trazia o diagnóstico óbvio: caímos num golpe! Pegamos os casacos e lá estava a prova material: Made in China.

Fizemos um pacto: o cambalacho sofrido seria segredo. Ninguém saberia da arapuca em que imaturamente caímos. Mais tarde, porém, reconsideramos o pacto. Era dever nosso alertar a todos os familiares e amigos que saem do Brasil como turistas.

Pedi que o pacto se mantivesse apenas quanto ao que fazíamos naquela rua.

– Caminhávamos para a Fontana di Trevi, tudo bem?

– Nem pensar! – subiu Erika nas tamancas – vou contar pra todo mundo a verdade.

Eu mesmo conto, então: só queria comprar ingressos para o romântico jogo Lazio x Napoli daquela noite. Algum problema nisso?

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