Uma das situações jurídicas que mais geram dúvidas nos usuários dos serviços extrajudiciais notariais é a transferência de bens dos pais para os filhos. Seja a título oneroso, seja a título gratuito, os negócios possuem peculiaridades próprias, as quais devem ser respeitadas para o bom fim pretendido.
De acordo com o disposto no artigo 496 do Código Civil, na venda de ascendentes para descendentes os outros descendentes e o cônjuge do vendedor devem consentir expressamente.
Se o vendedor for casado no regime da comunhão universal ou no regime de comunhão parcial de bens e da separação obrigatória, nos dois últimos regimes sendo o bem comum, ambos os cônjuges deverão figurar como vendedores. Caso o vendedor seja casado no regime de comunhão parcial de bens ou da separação obrigatória de bens e o bem vendido seja particular, ou no regime da participação final nos aquestos, será necessária a outorga conjugal. Será dispensada a outorga conjugal se o vendedor for casado pelo regime da separação convencional de bens ou da participação final nos aquestos se convencionada neste regime a livre disposição dos bens imóveis particulares no pacto antenupcial (vide 1.647, inciso I, e 1.656, ambos do Código Civil).
O consentimento se aplica à união estável?
Entende-se que as regras sobreditas acerca da participação do cônjuge na compra e venda aplicar-se-ão de igual modo nas uniões estáveis, caso sejam publicizadas no momento da lavratura da competente escritura pública ou estejam averbadas no Cartório de Registro de Imóveis. A aplicação deverá ser levada a efeito uma vez que inexiste distinção na aplicação dos regimes de bens no casamento e na união estável, de forma que a segurança jurídica dos negócios e resguardo dos direitos dos companheiros, bem como afastamento de prejuízos a terceiros de boa-fé exige a observância de tal mister.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, neste sentido, entende que a regra constante no artigo 1.647, inciso I, do Código Civil se aplica às uniões estáveis. Segundo a Corte, a invalidação da alienação de imóvel comum, realizada sem o consentimento do companheiro, dependerá da publicidade conferida a união estável mediante a averbação de contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência união estável no Ofício do Registro de Imóveis em que cadastrados os bens comuns, ou pela demonstração de má-fé do adquirente (REsp 1424275/MT).
Dessa forma, em razão do princípio hermenêutico segundo o qual ubi eadem ratio, ibi jus idem esse debet (onde houver a mesma razão, deve haver o mesmo direito), às uniões estáveis deve ser aplicada a mesma lógica jurídica dos casamentos no que diz respeito ao disposto no artigo 496 do Código Civil.
A ausência de consentimento dos demais descendentes acarretará a nulidade relativa do negócio jurídico realizado.
Quais os requisitos da nulidade relativa?
Os requisitos extrínsecos ao negócio jurídico são: (i) a iniciativa da parte interessada; (ii) a ocorrência do fato jurídico, qual seja, a venda inquinada de inválida; (iii) a existência de relação de ascendência e descendência entre vendedor e comprador. Em complemento, os requisitos intrínsecos, segundo a ótica do Superior Tribunal de Justiça, são: (i) a falta de consentimento de outros descendentes; e (ii) a comprovação de simulação com o objetivo de dissimular doação ou pagamento de preço inferior ao valor de mercado (REsp 1356431/DF).
Dessa forma, para que a nulidade relativa seja declarada é imprescindível que se comprove, no caso concreto, a efetiva ocorrência de prejuízo, não se admitindo, na hipótese em tela, que sua existência seja presumida (REsp 1.211.531/MS).
A paternidade posteriormente reconhecida implica na anulabilidade da compra e venda anteriormente realizada?
Segundo entendimento sufragado no âmbito da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça não. De acordo com o STJ, não obstante a decisão judicial que reconhece a paternidade possua natureza declaratória de efeito ex tunc (retro-operante), é certo que não poderá alcançar os efeitos passados das situações de direito definitivamente constituídas. Não terá, portanto, o condão de tornar inválido um negócio jurídico celebrado de forma hígida, dadas as circunstâncias fáticas existentes à época (REsp 1356431/DF).
A ausência de consentimento dos demais descendentes impede a lavratura e o registro da escritura pública de compra e venda?
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