DICA DE LEITURA: “RICO LÊ TANTO QUANTO ZÉ CANELA É ARTILHEIRO”, DE ANDERSON OLIVIERI

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A dica de hoje do jornalista Anderson Olivieri – responsável pela comunicação do Cartório de Sobradinho – é a crônica “Rico lê tanto quanto Zé Canela é artilheiro”, de sua autoria:

Um documento da Receita publicado na semana passada me fez lembrar do Zé Canela, a quem doutor Mário Trigo tanto se referia. Tratava-se de um jogador inexpressivo do interior do Brasil que demorou uns trezentos jogos para marcar o seu primeiro gol. Quando finalmente conseguiu o feito, o jogador cabaço tirou a camisa, subiu no alambrado e foi para os braços da torcida – sem ligar para o detalhe de que marcara um gol contra.

O que a Receita tem com isso? É que após uma vida – jurídica, claro – sendo gatinho com os ricos e leão com os pobres, o órgão acaba de mostrar as presas para os afortunados ao declarar que só rico lê no Brasil e, por isso, os livros devem ser taxados. Golaço, diriam os ativistas pela justiça social. O problema é que a Receita deu uma de Zé Canela e fustigou contra. O rico que ela diz mirar, de rico mesmo, se muito, têm só o intelecto e o espírito.

Isto é o que diz a pesquisa “Retratos da Leitura”, de 2019, publicada no ano passado, que revela uma maioria de leitores pobres no país. Veja: 52% dos brasileiros são leitores, sendo que 70% deles pertencem às classes C, D e E. Já que vivemos tempos de esquizofrênica negação à ciência e desprezo à pesquisa, é bom reforçar que não são achismos que apontam erro da Receita em considerar que só o rico lê no Brasil. Quem o diz são experimentos como o da “Retratos da Leitura”. Por trás de números, como se tem repetido por causa da Covid-19, há vidas. Não é diferente neste recorte sobre quem consome livros no Brasil. Os tais 70% integrantes das classes C, D e E são milhões de brasileiros únicos.

Lembro-me de quando estreei como autor, em 2012, na Bienal do Livro de Minas. Na noite anterior, para promover o lançamento, participei de um programa de rádio. Fui entrevistado por uma hora sobre o tema do livro e o processo de pesquisa e escrita. Na despedida, convidei todos que me ouviam a aparecer no evento do dia seguinte. Detalhe relevante: a Bienal cobrava ingresso, o que obrigaria meu convidado a colocar duas vezes a mão no bolso.

Pensei que estivesse aí a explicação para, em quase uma hora de lançamento, não ter recebido ninguém à mesa de autógrafos. Até que chegou um rapaz de meia idade, passo apressado, barba por fazer, me perguntando se eu era o Anderson que falara na noite anterior à rádio Itatiaia. Havia à minha frente uma cadeira. Ele se acomodou com metade do corpo para fora do assento e passou a contar que não poderia estar ali, mas, amante de literatura esportiva, dormira pensando numa forma de ir ao lançamento. O rapaz era caminhoneiro e tinha de chegar a Alfenas até o meio-dia para uma entrega.

Com outro livro, aconteceu algo também emocionante. Certo dia apareceu o DDD 38 em meu telefone. Atendi e um sujeito se apresentou como professor em Brasília de Minas, na escola Cremilda Passos. Ele havia reunido dez alunos interessados no novo lançamento literário sobre o Cruzeiro. Queria saber se, no atacado, saía mais barato. Enquanto ele falava, joguei a escola no Google Maps. Nada consegui pedir ao professor, a não ser o endereço postal.

Por falar em Google Maps, me ocorre outra história – esta a mim repassada pelo meu editor Thiago Soraggi, da Agência Número Um, que publicou dois dos meus cinco livros. Há cerca de um ano, ele me enviou mensagem dizendo que um rapaz de Sabará comprara os meus dois livros. Junto à mensagem, recebi a foto da casa do sujeito: muro e paredes no reboco, portãozinho de pedestre tomado pela ferrugem e, no telhado de zinco, uma envelhecida caixa d’água de mil litros. “Chorei”, me escreveu o Thiago, que mais tarde me mandou nova mensagem: “chorei de novo, porque procurei o cara e ele me disse que comprou os livros com o dinheiro da demissão no trabalho.”

Como último exemplo de que quem sustenta o Brasil leitor não são os ricos, recordo o seu Tião, sebo ambulante dos anos 1990 que carregava duas torres de livros, equilibradas uma em cada mão, pelos bares da Asa Norte. Entrevistado em seu auge pelo Jornal de Brasília, quiseram saber dele em quais estabelecimentos costumava entrar para oferecer as obras. Reto e direto, disse que em qualquer um, desde que não fosse ambiente de grã-fino.

Quem se propõe a uma imersão no universo dos livros percebe rapidamente que livro não é coisa de rico. Até porque se rico lesse à proporção que sugere a Receita, não teríamos uma elite egoísta e avessa a justiça social.

Sobre o Zé Canela, reza a lenda de que a torcida interiorana ainda espera o primeiro gol dele na carreira – assim como a sociedade espera o dia em o Leão rugirá à vera para os ricos.”

Para acompanhar outras crônicas deste autor, visite o site www.apalavrado.com.br.

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