A dica de hoje do jornalista Anderson Olivieri – responsável pela comunicação do Cartório de Sobradinho – é a crônica “O dia em que a política serenou os ânimos”, de sua autoria:
As pessoas estão mesmo a ponto de bala. Dois amigos trocaram perdigotos e, por pouco, sopapos durante uma discussão banal. Debatiam a mudança do Maracanã de Mário Filho para Edson Arantes do Nascimento. Um, favorável à proposta, cobrou do outro – por ora, contrário – um “motivo razoável” para a oposição. Este defendeu a homenagem póstuma. Disse que morto não trai nem decepciona. “Já pensou, um dia qualquer, depois de homenageado, o Pelé revela que detestava jogar no Rio?”, ponderou o que acha que homenageado bom é homenageado morto.
Já de jugular saltada, o outro chamou o argumento de “típica canalhice brasileira”, que só valoriza os seus grandes depois de mortos. “Canalha, não! Você me respeita!”, gritou, de pé, o ofendido, invocando à sua tese o exemplo napolitano. Após a morte de Maradona, o Napoli rebatizou a sua casa, agora Estádio Diego Armando Maradona. De imediato e em tom ríspido, veio o rebate: o clube italiano, com Maradona vivíssimo, havia homenageado o ídolo máximo com a aposentadoria da camisa 10 do clube.
Ainda empombado, o amigo favorável fez uma defesa da ideia com elegantes argumentos. Destacou que Pelé e Maracanã nasceram um para o outro – artista e palco perfeitos. Recordou que nesse lugar, de bola parada, para que todos vissem, câmeras captassem, se deu o milésimo gol. Foi lá também, sem registro para a posteridade, lembrou bem, o gol de placa contra o Fluminense, eleito pelo próprio Rei como o mais bonito da sua carreira. Arrematou dizendo que no Maracanã, o que há de mais belo, artístico e poético no futebol personificou-se em Pelé.
Pensei que o amigo opositor, depois de ouvir esses argumentos jeitosos, recuaria – se não na opinião, ao menos na ênfase. Um grito então urgiu: “Porra nenhuma!”. Equipado à mão com uma xícara vazia de porcelana, a qual dançava no embalo do gesticular bravio, o amigo rival da mudança de nome contra-arrazoou a ilusão de que Pelé fora sempre divino no Maior do Mundo. “Armando Nogueira mesmo foi testemunha do dia em que Pelé, em carne e osso, chutou o vento, furou um chute, um vexame!”.
“Vexame é você falar uma bobagem dessa!”, retrucou o outro com os olhos esbugalhados. “Você que é burro! Procure essa crônica do Armando Nogueira e leia, se você souber ler. Ele descreve o lance todinho”. Assim, em temperatura escaldante, seguiu o arranca-rabo por um bom tempo, sempre obedecendo a um formato padrão: um ataque ao oponente e um argumento: “Tem que ser muito jumento pra se opor à troca do nome, preferir Mário Filho a Pelé. Quem é Mário Filho? Um zé-ninguém! É a mesma coisa de o Maracanã se chamar João da Silva”.
Farto daquilo – e talvez a ponto de largar uma bofetada em alguém com quem caminhava em amizade havia 20 anos -, resolveu o amigo contrário à ideia, homem de esquerda, lançar mão de um argumento definitivo. Ele parabenizou o interlocutor, bolsonarista, por tão inflamada defesa de um projeto petista. Este, sem entender, pediu explicações – e logo as teve: “O projeto da alteração do nome do Maracanã é do deputado estadual do PT André Ceciliano, presidente da ALERJ”.
À mesa, uma fronte constrangedoramente se reclinou, um sorriso discreto e petulante se abriu e, em mim, uma perplexidade nasceu: a política pacificou uma guerra retórica.
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