DICA DE LEITURA: “DEU SAUDADE DO BARÉ”, DE ANDERSON OLIVIERI

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A dica de hoje do jornalista Anderson Olivieri – responsável pela comunicação do Cartório de Sobradinho – é a crônica “Deu saudade do Baré”, de sua autoria:

Barulho de crianças na rua. Cheguei à janela e contei sete delas. Cadê os responsáveis? Não cogitei estarem desassistidas. Em Brasília, criança sozinha embaixo do prédio é do tempo da piscina de ondas, onde, por sinal, menino se afogava e mãe não via. Hoje em dia, acabou aquela coisa, tão bem vivida por mim, de descer, sumir no mundo e só voltar, tarde da noite, com o brado retumbante da mãe na janela, mandando subir. Isso, no entanto, é nostalgia para outra hora. De volta ao que vi.
Os pais, apesar da demora para entrar no meu campo de visão, apareceram. Primeiro suspeitei que fosse algum grupo de ginástica laboral comunitária. Eram muitos, todos paramentados de artigos – só depois me dei conta – como cadeiras de praia, caixinha de som, isopor, mochila. Desconfio ter visto até uma maleta de primeiros socorros. Mas posso ter me confundido. Talvez fosse lancheira.
Essa hipótese só levantei após dois garotos, uniformizados, começarem uma arrumação. Retirado de uma sacola pequena, um trambolho vermelho, imenso, maior do que eu, se abriu. Era uma trave dobrável, com rede e tudo. O arranjo se repetiu do outro lado. Uma fita foi estendida, demarcando todo o campo. O apito soou, e uma voz se ergueu:

  • Let’s go!
    A criançada num pé só se aproximou do tio. Pensei estar maluco. Colei o ouvido na tela de proteção da janela e me desliguei de tudo, focando só na voz que instruía. Que língua era aquela? O som chegava baixo, indecifrável no conteúdo, porém em formato que me permitia concluir não ser em português. Chamei a esposa, já a par pelo grupo de WhatsApp da quadra: “é aula de futebol bilíngue, legal, né?”.
    Voltei em silêncio à janela. Os tios, que apelidei de Steve e John, chapiscavam o campo de cones e explicavam o primeiro exercício do dia: “run and kick”. Era bonitinho de se ver os pitocos correndo por entre os cones. Mas toda graciosidade foi embora em segundos. Que diabos eram aqueles chutes no ar? Por que o “kick” era sem bola? E os pais lá, esparramados em suas cadeiras de praia, com sorriso nos lábios, contemplativos, vendo seus filhos aprenderem futebol sem bola. A chutar o vento!
    O bilinguismo e o kick in the air foram demais para mim. Até deixei passar que tenham montado a própria arena desprezando, ao lado, um campinho de futebol de duas décadas de idade. Afinal, esse jovem senhor parece só ser pisado por goleiros, porque não nasceu grama em canto nenhum. Um tufo nas extremidades do escanteio e, de resto, só aridez, pó. Mas Steve e John estavam pesando a mão na nutelagem. O futebol nasceu da bola. Sem ela, vira karatê, capoeira, balé, break, tudo, menos futebol. E adversário no encalço é “ladrão”, nunca “opponent”.
    Só com quinze minutos de aula a bola apareceu. Sem protagonismo, tímida, largada pelos cantos, parecia aluno novo em aula experimental. Quem se exibia a todo instante era o apito do Steve, tilintando como se estivesse na Sapucaí. O toque malfeito, a corrida descompassada, o chute torto, o drible fracassado, tudo sofria intervenção, um stop para correção do mister.
    Quanta liberdade tolhida. Quanta criatividade cerceada em nome de um rigor técnico desnecessário às crianças. Inevitável me lembrar de como tudo era diferente no passado. Sete para um lado, sete para o outro; time um, com camisa, time dois, sem; campo de barro acrescido de adversários comuns aos dois times: um poste e três árvores; dois tempos de 25 minutos com pausa de cinco para hidratação na torneira onde o Ribamar lavava os panos de chão do bloco D; bola rolando o tempo inteiro por um só objetivo: fazer gol nos paus fincados no chão a base de pedradas. Não se permitiam apitos e interferências externas de nenhum tipo, exceto os tais brados retumbantes maternos.
    Parei de espiar e só voltei à janela ao encerramento da aula. Pais e filhos se abraçavam, provavelmente em celebração aos gols imaginariamente feitos nos “kicks in the air”. Ah! Consegui sanar a dúvida: a maleta de primeiros socorros era mesmo lancheira. Com suco de uva integral e uma pera.
    Deu saudade do Baré.

Para acompanhar outras crônicas deste autor, visite o site www.apalavrado.com.br.
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