A dica de hoje do jornalista Anderson Olivieri – responsável pela comunicação do Cartório de Sobradinho – é o poema “Estação adversa”, de Ronaldo Cagiano.
Pois não. O passado é um país estrangeiro,
mas é esse para sempre o nosso país.
Luís Filipe Castro Mendes
A viagem ao passado
nunca regressa:
na combustão da memória
sinto um cão
chafurdando o íntimo,
adulando um cardume de açoites.
Animal lambendo a ferida,
escória num continente esquivo
onde adubam-se canteiros de melancolia.
As cidades nomeiam
seus mortos
e as efígies de bronze
como tobogãs de insetos,
com seu repertório de excrementos
deixa-os mais vivos
do que nós:
resistem em meio à ausência de bússola
e à fecundação do precário
nesses tempos de ilusões no cio
e colheita de fósseis do nada.
Martelo feroz da existência
é essa música do tempo
tutelando meus dissabores
notas culminantes feito lâminas:
é o fado
ou o fardo da vizinha com besouro na garganta
sibilando salmos em desvario,
acidente
na rota de minhas insônias
quando viajo em galáxias de sangue.
Há um mundo dentro das palavras
(máquina soturna)
que tento desbravar:
esse promontório
que é sedução
ou abismo.
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