A dica de hoje do jornalista Anderson Olivieri – responsável pela comunicação do Cartório de Sobradinho – é a crônica “O carioca que amou Brasília”, de sua autoria:
Entre 1957 e 1960, em Brasília, sentados à porta de casa, muitos cariocas usavam o tempo livre para falar mal da nova capital. Sentiam saudades da praia, do samba, da metrópole efervescente, do Maracanã, da cidade ereta que se contrapunha à daqui – um buraco barrento. Também ressentiam a perda do protagonismo político-administrativo do Rio. Ainda se somava a isso o custo que era viver naquela Brasília principiante: seca; abundante em cobra e mato; escassa em saneamento, abastecimento e leis. Tudo isso motivava os cariocas de Brasília a maldizer a obra de suas mãos.
Ao mesmo tempo, no Rio, a palavra “Brasília” ganhou status de palavrão. Era proferida com desprezo e infâmia inclusive por ilustres e poderosos. Carlos Lacerda chamou a construção de “desperdício”. Eugênio Gudin, ex-ministro da Fazenda e notável economista daquele tempo, a cada escavada da máquina no Planalto Central, ele, do Rio, atirava uma pedra em Brasília por meio de sua coluna em O Globo. Até samba de oposição se fez em 1957. Billy Blanco compôs “Não vou pra Brasília”, gravado pelo famoso grupo “Os Cariocas”:
“Não vou pra Brasília/ Não vou, não vou/ Eu não sou índio nem nada/ Nem uso a argola pendurada no nariz/ Não uso tanga de pena/ E a minha pele é morena/ Do sol da praia/ Onde nasci e me criei.”
Naqueles tempos, era mais provável encontrar carioca inimigo do samba que amor no Rio por Brasília. Este elemento raro, no entanto, o do carioca apaixonado por Brasília, existia e tinha entre seus componentes o estridente e corpulento Augusto Frederico Schmidt. O poeta de trajetória polivalente – estreada como caixeiro-viajante, intermeada de livreiro, editor, dirigente esportivo e rematada como industrial – estava em sua fase embaixador quando se apaixonou por Brasília. Tentava emplacar a ideia apresentada a JK de desenvolvimento da América Latina via Estados Unidos – a chamada Operação Pan-Americana. Mas o olhar internacional não o privou de se arrebatar pela maior expressão nacional de desenvolvimento: Brasília.
Schmidt a chamava – antes mesmo da inauguração – de “uma proeza incomparável”. Destacava-a como um raro orgulho de um país retardatário, onde – palavras dele – nada acontece de grande. Ghostwriter preferido de Juscelino para ocasiões em que a beleza das palavras era tão importante quanto a mensagem, Augusto Frederico Schmidt é o autor da frase juscelinista grafada em monumentos da cidade:
“Deste Planalto Central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino.”
De fato Schmidt enxergava Brasília com olhos de esperança, projetando ao Brasil – graças a tal empreendedorismo – tempos de farta colheita e impulsionado desenvolvimento. E tamanha era a sua boa vontade com a nova Capital que até exageros cometia – como o de elogiar o clima da cidade. Para ele, respirava-se melhor na secura brasiliense do que no litoral.
Embora bem intencionado, era homem, muitas vezes, de soluções simples para problemas complexos. Sem calcular a sobrecarga ao erário, já tão comprometido com a construção, Schmidt resolveu a resistência de políticos e magistrados em se mudar para Brasília: doação, a estes, de lotes em áreas nobres para construção de mansões, salário em dobro e dois anos a menos de contribuição previdenciária. Ele queria Brasília pulsante como o Rio.
Fez também a sua parte para isso. Comprou na cidade um terreno no Park Way e outro no Lago Norte, pretendendo, num deles, erguer casa que o acolhesse nas viagens à Capital. Queria a chance de desfrutar de Brasília mais sossegadamente, o que, enquanto eminência parda do governo JK, não acontecera. Numa das vindas, acompanhou o embaixador norte-americano, Foster Dulles, em visita oficial à futura capital. Mal teve tempo de olhar para o já afamado, naquela época, céu de Brasília, tanta fora a correria.
Este exercício ficaria para 21 de abril de 1960, quando enfim Schmidt apontou o queixo para o céu do Planalto Central:
“As estrelas estavam no alto e olhavam a Cidade no seu dia inaugural. Brasília parecia abrir-se – com suas lâminas brilhantes, com as suas asas, os seus problemas resolvidos de maneira caprichosa e inédita – sobre o inesperado mundo. E havia poesia.”
É certo que, no princípio, ao menos um carioca, amou Brasília. E viu aqui barro, mas também poesia.
Augusto Frederico Schmidt morreu em 8 de fevereiro de 1965 e deixou grande fortuna. Nela, nenhuma casa em Brasília – só os terrenos.
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